Informação não é conhecimento. Há idiotas de excelente memória e repertório, que armazenam e distribuem informações de todos os tipos e para todos os gostos e nem por isso reúnem suficiente lucidez para interpretar os acontecimentos do mundo. Conhecimento é importante, sabedoria é melhor. É saber decidir por onde caminhar e o que fazer do tempo que é dado viver, posto que todos temos consciência que vamos morrer.
Ouço pessoas idosas – e já tenho idade para quase concluir sozinho – dizer que a vida passou muito rápida. E quase todas, se tivessem que refazer alguma coisa, se ocupariam menos dos afazeres profissionais e das conquistas materiais e dedicariam mais tempo aos amigos, aos amores, aos filhos, à contemplação da natureza.
Aprendi em leituras de boa qualidade a desmascarar mentiras travestidas de verdades, ilusões parecidas com a realidade. Há quem não perceba o que nos mantêm anestesiados, acorrentados a interesses que não são nossos, mas de uma estrutura política e econômica que explora física, intelectual e psicologicamente as pessoas para obter lucro – lucro para poucos. São poucos, muito poucos, aqueles que decidem sobre como quase todos terão que viver.
Por este modelo, a maioria mal consegue o que comer. Enquanto outra camada, consome avidamente, mais do que o planeta consegue repor – daí a catástrofe ambiental que se anuncia.
Os meios de comunicação, a escola e outros “sócios” menores – igrejas, partidos políticos etc – pouco fazem para impedir a “ordem natural das coisas”, o mundo que aí está, da forma em que está. Ciência e tecnologia não param de falar em progresso. O bolso dos capitalistas agradece! Que tipo de progresso é este em que a maioria da humanidade vive tão mal enquanto um número muito pequeno destrói o planeta para alimentar um estilo de vida que já se sabe totalmente insustentável?
Gilberto Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e coordenador do Grupo de Conjuntura Internacional da USP diz que “o progresso é um mito renovado por um aparato ideológico interessado em convencer que a história tem destino certo e glorioso” (Novos Estudos – Cebrap, nº 77, São Paulo, março/2007). O sociólogo polonês Zygmunt, Bauman, também ataca o “mito do progresso”. Em entrevista à revista Cult (número 138 – agosto/2009), diz que “a ideia de progresso foi transferida da ideia de melhoria partilhada para a de sobrevivência do indivíduo. O progresso é pensado não mais a partir do contexto de um desejo de corrida para a frente, mas em conexão com o esforço desesperado para se manter na corrida”.
Não é fácil combater a ideia de “progresso”, sobretudo num país que estampa a palavra em sua própria bandeira. Estamos “viciados” em progresso. Empresários e dirigentes políticos não se cansam de exibir os “músculos” do PIB – o Produto Interno Bruto. Crescer, crescer, crescer. “Crescer por crescer, é a filosofia da célula cancerosa” – escreveram estudantes na entrada de uma conferência sobre economia. O PIB mede a atividade econômica, mas não tem, necessariamente, preocupação com a qualidade de vida. Ações preventivas na área de saúde diminuem o PIB. “Ao cair o consumo de medicamentos, o uso de ambulâncias, de hospitais e de horas de médicos, reduz-se também o PIB”, afirma Ladislau Dowbor, professor da PUC de São Paulo, doutor em Ciências Econômicas e consultor de diversas agências da ONU (seus trabalhos estão disponíveis em www.dowbor.org).
Do ponto de vista da economia, um acidente como o da British Petroleum, recentemente, no Golfo do México, melhora os índices do PIB. Como é possível? “O PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se são úteis ou nocivas”, acrescenta Dowbor. A contratação de navios, empresas, especialistas e trabalhadores para limpar a poluição no mar aciona para cima os índices do Produto Interno Bruto. Ou seja, a poluição ajuda o PIB.
Portanto, o crescimento do PIB não deveria ser motivo de regozijo ou de orgulho, quando visto isoladamente.
Para se contrapor a essa ideia de um PIB robusto, desejado por todos, surgiu no Butão, um pequeno país da região do Himalaia, na Ásia, um outro conceito: a FIB – Felicidade Interna Bruta. É certo que não dá para medir felicidade, mas sabe-se de parâmetros que contribuem para elevar o nível de bem-estar de populações de uma determinada cidade, região ou país. O rei do Butão, Jigme Singye, teve a ousadia de colocar as coisas em seus devidos lugares e afirmar que “a felicidade precede a prosperidade econômica”. Sabemos, por experiência, que não é preciso ter muito para ser feliz. Por isso é preciso mudar o modelo político e econômico que arruína vidas e destrói a natureza. No Butão, as decisões políticas devem ser tomadas com base em vários indicadores que se agrupam em quatro pilares: a promoção de um desenvolvimento socioeconômico sustentável e igualitário, a preservação e a promoção dos valores culturais, a conservação do meio ambiente e o estabelecimento de uma boa governança. “A renda não é buscada pelo seu bem em si, mas para aumentar a qualidade de vida, para obter a felicidade”, diz o sábio rei, que foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2007 pela revista Time.
Há muitas outras experiências para medir o que seria mais desejável para a humanidade. A ONU criou, por exemplo, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, que mede a renda per capita, expectativa de vida, grau de alfabetização, avanço na área educacional etc.
O aumento da violência, da destruição da natureza, da competitividade nas relações humanas, a falta de tempo para viver... há sinais por toda parte de que algo não vai bem no atual modelo civilizatório. A psicanalista Maria Rita Kehl, autora entre outros de “O tempo e o cão” (Boitempo Editorial) vê a depressão, cada vez mais, como um sintoma social contemporâneo.
Muito da angústia nos consultórios e fora dele tem relação direta com o uso que se faz do tempo e, por conseguinte, de nossas vidas. O capitalismo, desde a revolução industrial, atua com a lógica da velocidade. O ser humano tem que se adaptar às máquinas, que não cansam e trabalham 24 horas. Maria Rita Kehl afirma que a modernidade, na forma como hoje se apresenta, pode ser uma patologia do tempo que atingiu um ponto insuportável de aceleração. Para ela, as drogas “são sintomas da urgência em gozar, que comanda a vida contemporânea”. E a violência banalizada nas grandes cidades, “um sinal do encolhimento da capacidade de negociar conflitos em função dessa urgência” (Depressão e Capitalismo – entrevista a Luiz Zanin, O Estado de S. Paulo, 19/4/2009).
O capitalismo construiu habilmente uma impressão de que não há alternativa, embora esteja presente há poucos séculos na história, que é milenar, do ser humano. Há outros modos de viver a vida. Algum dia, se houver as condições materiais e históricas para superar o capitalismo – antes que destrua o planeta –, há esperança de viver-se melhor. Não haverá decretos tornando o gozo e a felicidade obrigatórias, mas talvez se possa sonhar com um pouco mais de alegria, de bem-estar para todos, de viver sem tantas pressões, sem tanta pressa, de compartilhar vidas, projetos, cuidados especiais para com os mais necessitados, permitir que a natureza se renove, dar vazão aos ideais de justiça. E não esperar. Isso poderá acontecer se houver transformações em nosso dia-a-dia, nas pequenas relações do cotidiano. Tudo que é grande é um somatório de coisas pequenas. Mudar. Trocar o PIB pelo FIB, para começar.
Autor: Celso Vicenzi - Jornalista
Fonte: http://www.acontecendoaqui.com.br/
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