segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Queremos mais PIB ou FIB?

Desconfio de todas as facilidades e felicidades oferecidas, diariamente, pela publicidade e pela mídia. Mais isso, mais aquilo, mais rápido, melhor. Desconfio da quantidade e da velocidade. Por que precisamos ter cada vez mais, fazer cada vez mais? Para quê? Para adquirir mais conhecimento, para não ficar defasado com as novas tecnologias no mundo do trabalho, para obter sucesso, respondem alguns.

Informação não é conhecimento. Há idiotas de excelente memória e repertório, que armazenam e distribuem informações de todos os tipos e para todos os gostos e nem por isso reúnem suficiente lucidez para interpretar os acontecimentos do mundo. Conhecimento é importante, sabedoria é melhor. É saber decidir por onde caminhar e o que fazer do tempo que é dado viver, posto que todos temos consciência que vamos morrer.

Ouço pessoas idosas – e já tenho idade para quase concluir sozinho – dizer que a vida passou muito rápida. E quase todas, se tivessem que refazer alguma coisa, se ocupariam menos dos afazeres profissionais e das conquistas materiais e dedicariam mais tempo aos amigos, aos amores, aos filhos, à contemplação da natureza.

Aprendi em leituras de boa qualidade a desmascarar mentiras travestidas de verdades, ilusões parecidas com a realidade. Há quem não perceba o que nos mantêm anestesiados, acorrentados a interesses que não são nossos, mas de uma estrutura política e econômica que explora física, intelectual e psicologicamente as pessoas para obter lucro – lucro para poucos. São poucos, muito poucos, aqueles que decidem sobre como quase todos terão que viver.

Por este modelo, a maioria mal consegue o que comer. Enquanto outra camada, consome avidamente, mais do que o planeta consegue repor – daí a catástrofe ambiental que se anuncia.

Os meios de comunicação, a escola e outros “sócios” menores – igrejas, partidos políticos etc – pouco fazem para impedir a “ordem natural das coisas”, o mundo que aí está, da forma em que está. Ciência e tecnologia não param de falar em progresso. O bolso dos capitalistas agradece! Que tipo de progresso é este em que a maioria da humanidade vive tão mal enquanto um número muito pequeno destrói o planeta para alimentar um estilo de vida que já se sabe totalmente insustentável?

Gilberto Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e coordenador do Grupo de Conjuntura Internacional da USP diz que “o progresso é um mito renovado por um aparato ideológico interessado em convencer que a história tem destino certo e glorioso” (Novos Estudos – Cebrap, nº 77, São Paulo, março/2007). O sociólogo polonês Zygmunt, Bauman, também ataca o “mito do progresso”. Em entrevista à revista Cult (número 138 – agosto/2009), diz que “a ideia de progresso foi transferida da ideia de melhoria partilhada para a de sobrevivência do indivíduo. O progresso é pensado não mais a partir do contexto de um desejo de corrida para a frente, mas em conexão com o esforço desesperado para se manter na corrida”.

Não é fácil combater a ideia de “progresso”, sobretudo num país que estampa a palavra em sua própria bandeira. Estamos “viciados” em progresso. Empresários e dirigentes políticos não se cansam de exibir os “músculos” do PIB – o Produto Interno Bruto. Crescer, crescer, crescer. “Crescer por crescer, é a filosofia da célula cancerosa” – escreveram estudantes na entrada de uma conferência sobre economia. O PIB mede a atividade econômica, mas não tem, necessariamente, preocupação com a qualidade de vida. Ações preventivas na área de saúde diminuem o PIB. “Ao cair o consumo de medicamentos, o uso de ambulâncias, de hospitais e de horas de médicos, reduz-se também o PIB”, afirma Ladislau Dowbor, professor da PUC de São Paulo, doutor em Ciências Econômicas e consultor de diversas agências da ONU (seus trabalhos estão disponíveis em www.dowbor.org).

Do ponto de vista da economia, um acidente como o da British Petroleum, recentemente, no Golfo do México, melhora os índices do PIB. Como é possível? “O PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se são úteis ou nocivas”, acrescenta Dowbor. A contratação de navios, empresas, especialistas e trabalhadores para limpar a poluição no mar aciona para cima os índices do Produto Interno Bruto. Ou seja, a poluição ajuda o PIB.

Portanto, o crescimento do PIB não deveria ser motivo de regozijo ou de orgulho, quando visto isoladamente.

Para se contrapor a essa ideia de um PIB robusto, desejado por todos, surgiu no Butão, um pequeno país da região do Himalaia, na Ásia, um outro conceito: a FIB – Felicidade Interna Bruta. É certo que não dá para medir felicidade, mas sabe-se de parâmetros que contribuem para elevar o nível de bem-estar de populações de uma determinada cidade, região ou país. O rei do Butão, Jigme Singye, teve a ousadia de colocar as coisas em seus devidos lugares e afirmar que “a felicidade precede a prosperidade econômica”. Sabemos, por experiência, que não é preciso ter muito para ser feliz. Por isso é preciso mudar o modelo político e econômico que arruína vidas e destrói a natureza. No Butão, as decisões políticas devem ser tomadas com base em vários indicadores que se agrupam em quatro pilares: a promoção de um desenvolvimento socioeconômico sustentável e igualitário, a preservação e a promoção dos valores culturais, a conservação do meio ambiente e o estabelecimento de uma boa governança. “A renda não é buscada pelo seu bem em si, mas para aumentar a qualidade de vida, para obter a felicidade”, diz o sábio rei, que foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2007 pela revista Time.

Há muitas outras experiências para medir o que seria mais desejável para a humanidade. A ONU criou, por exemplo, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, que mede a renda per capita, expectativa de vida, grau de alfabetização, avanço na área educacional etc.

O aumento da violência, da destruição da natureza, da competitividade nas relações humanas, a falta de tempo para viver... há sinais por toda parte de que algo não vai bem no atual modelo civilizatório. A psicanalista Maria Rita Kehl, autora entre outros de “O tempo e o cão” (Boitempo Editorial) vê a depressão, cada vez mais, como um sintoma social contemporâneo.

Muito da angústia nos consultórios e fora dele tem relação direta com o uso que se faz do tempo e, por conseguinte, de nossas vidas. O capitalismo, desde a revolução industrial, atua com a lógica da velocidade. O ser humano tem que se adaptar às máquinas, que não cansam e trabalham 24 horas. Maria Rita Kehl afirma que a modernidade, na forma como hoje se apresenta, pode ser uma patologia do tempo que atingiu um ponto insuportável de aceleração. Para ela, as drogas “são sintomas da urgência em gozar, que comanda a vida contemporânea”. E a violência banalizada nas grandes cidades, “um sinal do encolhimento da capacidade de negociar conflitos em função dessa urgência” (Depressão e Capitalismo – entrevista a Luiz Zanin, O Estado de S. Paulo, 19/4/2009).

O capitalismo construiu habilmente uma impressão de que não há alternativa, embora esteja presente há poucos séculos na história, que é milenar, do ser humano. Há outros modos de viver a vida. Algum dia, se houver as condições materiais e históricas para superar o capitalismo – antes que destrua o planeta –, há esperança de viver-se melhor. Não haverá decretos tornando o gozo e a felicidade obrigatórias, mas talvez se possa sonhar com um pouco mais de alegria, de bem-estar para todos, de viver sem tantas pressões, sem tanta pressa, de compartilhar vidas, projetos, cuidados especiais para com os mais necessitados, permitir que a natureza se renove, dar vazão aos ideais de justiça. E não esperar. Isso poderá acontecer se houver transformações em nosso dia-a-dia, nas pequenas relações do cotidiano. Tudo que é grande é um somatório de coisas pequenas. Mudar. Trocar o PIB pelo FIB, para começar.

 
Autor: Celso Vicenzi - Jornalista
Fonte:  http://www.acontecendoaqui.com.br/

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